Marido e Mulher – Paulo Mendes Campos

– Arnaldo, você é o fino: aqui em casa não tem uma gota d’água há cinco dias e você está uma pilha. Acho perfeitamente normal, meu bem, que você esteja nervoso… Mas você está com raiva é de mim, você está agindo como se fosse eu a responsável pelo fato de não ter água no Rio de Janeiro.

– Teresa, vou ser franco com você: você é a responsável pelo fato de não ter água no Rio de Janeiro. Tá bem?

– Não morei na piada.

– Não tem piada nenhuma. Estou falando português claro: você é a culpada pela falta d’água aqui em casa.

– Essa, não!

– Mas é claro que você é a culpada: toda mulher é culpada quando falta água em casa.

– Essa é a maior!

– Pois fique sabendo dum princípio banal: a mulher é a responsável pelas coisas que acontecem dentro de casa. Ela é a secretária administrativa, a gerente do lar!

– Mas o caso é que a água não acontece dentro de casa, a água vem lá de fora dentro dum cano. Tá?

– Teresa, quando um marido chega e as torneiras estão secas a culpa é exclusivamente da mulher. Não tenha sobre isso a menor dúvida.

– Mas isso é uma injustiça. O que que eu posso fazer?

– Não sei: o problema é seu.

– Você hoje está muito engraçadinho.

– Escute, minha filha: a humanidade é dividida em homens e mulheres, é ou não é? Tanto numa tribo do Araguaia como no Rio, os homens cuidam dumas tantas coisas, as mulheres de outras. Na civilização cristã, a mulher toma conta da casa, o homem em geral trabalha fora. Estou certo ou errado? Logo…

– Mas espera aí…

– Logo, as mulheres são as responsáveis pela falta d’água.

– Francamente, você como sociólogo não fazia nem para o café. Que culpa tenho eu, a pobre Teresa, pelo fato de os prefeitos do Rio terem politicado o tempo todo?

– Que culpa? Uma parte da culpa, claro.

– Que parte?

– A parte que afeta a vida de casa. Os homens têm a outra parte. Morou? Falta d’água: culpa das mulheres; bagunça dos transportes: culpa dos homens.

– Estou começando a entender seu ponto de vista.

– Não é ponto de vista nenhum: é um fato trivial.

– Só não admito que as mulheres sejam culpadas pela falta d’água. Eu não entendo de água! Como é que eu, tomando conta de casa o dia inteiro, vou saber se o Governo fez ou não fez a adutora do Sandu?

– Do Guandu… Já disse que o problema é seu. Por que você não saiu em praça pública, não protestou, não botou fogo na Prefeitura ou no prefeito? O que você devia ter feito eu não sei.

– Venha cá. Não seria mais lógico que os homens ficassem encarregados dessa parte do abastecimento d’água? O que eu não me conformo é com a água…

– Seria se os homens é que ficassem em casa. Aliás, nisso você tem inteira razão: sempre achei que os homens deviam tomar conta de casa e que as mulheres deveriam sair para trabalhar. Perfeito.

– Eu não estou dizendo isto…

– Mas eu estou. Não estou brincando, não. A mulher tem muito mais capacidade de trabalhar do que o homem. Sempre admirei a ordem e a eficiência com que trabalham. Mulher exatamente só não tem vocação é para tomar conta de casa. São umas caóticas totais. Você vê um homem no escritório ou na repartição: trabalha chateado, reclamando, esquece as coisas, confunde tudo. E vê a mulher: mulher trabalha de bom humor! Agora, você quer ver um homem feliz: manda, por exemplo, ele organizar um almoço. Como é que ele faz tudo direitinho, muito satisfeito, não se esquece de nada, sai tudo uma beleza! Olhe aqui: um homem dentro duma cozinha é a imagem da felicidade! Mas a mulher vai para a cozinha como se fosse para o inferno.

– Você está ficando biruta.

– Biruta é a minha querida sogra. Estou dizendo uma coisa simples, uma coisa que a gente pode ver a toda hora. Primeiro: mulher se realiza no emprego; o homem uiva para ganhar a vida. Segundo: o homem é um frustrado porque gosta e tem jeito para cuidar de casa; mulher não sabe cuidar de casa, mulher detesta cuidar de casa! Isso ninguém me tira da cabeça.

– Pois para mim esta sua idéia é novidade.

– Novidade ou não, é a pura verdade. Você já olhou bem a cara dum homem quando ele lá um dia resolve encerar a casa? É uma cara de absoluta plenitude. E como os homens enceram bem! Agora, você reparou na cara duma mulher que vai trocar uma lâmpada? É a cara da vítima! A cara do casamento fracassado! Ela destorce a lâmpada queimada como se estivesse na cadeira elétrica!

– Ah, não, meu filho, isso é porque mulher tem medo de choque.

– Pois é: medo de choque… Mulher tem medo de choque mesmo com a eletricidade desligada… Não, minha filha, as coisas estão erradas, mas um ponto é indiscutível: o homem é um animal doméstico e a mulher é um animal social; o homem gostaria de organizar a casa e a mulher gostaria de organizar as coisas públicas; trabalho em casa devia ser para os homens; trabalho fora, para as mulheres. É claro.

– Queria ver você lavando as fraldas do Antônio Henrique…

– Lavaria, por que não? Lavar fralda é uma coisa chata para qualquer sexo, é um ônus… Mas isso não tem nada a ver com a história.

– Eu ficaria convencida se você fosse lá dentro e me preparasse uma laranjada bem geladinha, com pouco açúcar.

– Com o maior prazer!

Sobre felmariano

Advogado, estudante para concursos, gremista, amante da língua portuguesa e da cultura espanhola e um eterno curioso!
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